5.18.2006

Filme da Vida Real (Parte 3)

Na 4ª feira recebi nova chamada do detective. Ansiosa e curiosa, perguntei-lhe sobre como tudo se passou, quem é a pessoa, eu conheço?, como a descobriram, ao que o detective, do alto do seu profissionalismo, mais uma vez me respondeu que não me poderia adiantar pormenores. “Mas que porra!!! Eu sou a vítima, a minha casa é que foi assaltada, as minhas coisas é que foram roubadas!! E não posso saber nada?!?!”. Obvio que só pensei isto e não o disse mas já estava farta de todo o mistério, que só servia para me deixar cada vez mais apreensiva e a confiar cada vez menos em tudo e todos. Percebendo talvez a minha ansiedade, o detective adiantou que me daria o número do processo e que eu deveria ligar para o “Victim Witness Advocat” e pedir detalhes. Fi-lo de imediato e de lá, após ser transferida para aqui e para ali, consegui falar com alguém que me adiantou o nome do suspeito: Michaele Valentin. O nome não me era estranho de todo, e rebuscava a minha mente incessantemente para me lembrar de como e quando veio até a mim aquele nome mas... nada. “Valentin!? Valentin?!? Caraças, eu conheço o nome. Mas de onde? Pelo menos não é ninguém com quem lido directamente e confio”, pensei, mas continuei bastante apreensiva. Pedi se me poderiam enviar por fax o relatório da polícia mas disseram-me que, para o ver, teria que ir até ao Tribunal de Somerville e aí pedir uma cópia. OK, seja. Falo com a Joana mana. “Queres vir ao tribunal comigo? Vou finalmente saber quem é o responsável!”. Parecia um filme. “’Bora lá!”.
Passados uns minutos já estávamos num táxi a caminho do tribunal. Percebendo o nosso destino, o taxista tentou logo averiguar o que nos levava até lá. Assim, em menos de nada, já estava todo interessado no caso e despediu-se desejando boa sorte e que tudo corresse bem. Foi engraçado sentir a solidariedade daquele estranho, coisa que me foi bem mais difícil de percepcionar por parte da minha senhoria e marido.
Chegadas lá, dissemos ao que vínhamos e passaram-nos o relatório para as mãos. Como se da revelação do terceiro segredo de Fátima se tratasse, eu e a Joana começamos a ler avidamente o relatório. Mais uma vez, e não me canso de o repetir, parecia uma cena saída de filme.
“Baptista (que sou eu) called at such and such hours. I went to her appartment and saw this and that”, reportava o detective. E eu só dizia “Fogo, o gajo prestou mesmo atenção a tudo o que se disse”. Mais uma leitura e eis que entra a frase que nos pôs admiradas, de mão na boca, tal o espanto: “The landloard and the carpenter, Michaele Valentin...”
“Porra!! Foi o carpinteiro!!!!!”
E com esta todas as perguntas começaram a obter resposta. “Por isso a janela não foi forçada! Ele abriu-a por dentro!!”.
Que alivio!! Não tinha sido esquecimento meu nem intenção de alguém que eu tivesse tido lá em casa. Então a história foi a seguinte:
Naquele dia, a minha senhoria chamou o carpinteiro, com quem já trabalha há vários anos e que, por ser ilegal, ela ajuda dando-lhe uns biscates para ele se desenrascar. Estiveram a trabalhar na cave durante o dia todo, entrando e saindo da zona circundante ‘a casa com bastante frequência.
Por volta das 15h, ela disse-lhe que teria que ir ao supermercado e que já voltava, coisa que durou 30 minutos. Durante esse tempo, o caramelo vai de buscar a chave da minha casa (que possivelmente já teria visto noutras vezes e, até quem sabe, de alguma vez que tivesse ido a minha casa com a senhoria reparar alguma coisa), entra pela porta da cozinha, vai até ao escritório, rouba tudo o que viu, vai até ‘a sala e rouba também a câmera digital e depois, para fingir que tinha sido um assalto, abre a janela do escritório, remove a rede que a protege e deixa-a no lado de fora da casa, deita a bicicleta para o chão, a aparelhagem, a cadeira e dá de frosques, por alturas em que a minha senhoria estaria para regressar. Quando ela reapareceu, já com tudo roubado e escondido, diz-lhe que ouviu vozes dentro do meu apartamento. Assim, ela poderia ir ver o que se passava, depreenderia que houve um rouba mas não duvidaria dele. Em vez disso, e porque não é nada bisbilhoteira, assumiu que era eu e não ligou.
‘A noite, ao dizer ao detective que tinha passado o dia com o carpinteiro, ele pediu-lhe o número dele para lhe ligar e perguntar se teria visto algo. Quando o fez, o início da versão do carpinteiro batia certo com a da minha senhoria mas, a determinada altura, meteu os pés pelas mãos: “quando a senhoria foi ao supermercado, eu ouvi um homem bater na porta de trás da casa da Inês, a dizer “Let me in! Let me in!” e depois ouvi vozes lá dentro, como se houvesse uma discussão. Também reparei que a porta da frente estava entreaberta”.
Ora, o detective achou isto muito estranho e ligou novamente para a minha senhoria, que lhe disse que o carpinteiro não tinha referido nenhum destes factos e que ela até achou o comportamento dele meio estranho. “Estava nervoso, com pressa e, muito embora estivesse a chover muito, declinou a oferta de boleia e disse que caminharia para casa” (e nós a lermos isto tudo no relatório, com a verdade a desenrolar-se ‘a nossa frente, interrompida por exclamações de espanto).
Assim, o detective pediu ao carpinteiro que se apresentasse na esquadra no dia seguinte, ao que ele acedeu prontamente. Já com a pulga atrás da orelha, o detective, tentando um “bluff”, diz ao carpinteiro:
- “ontem questionei vários vizinhos da Baptista para verificar se teriam visto algo e uma das mulheres falou que viu um homem na janela correspondente ao escritório da Baptista. Quando lhe mostrei a foto de possíveis pessoas, onde se encontrava a sua, ela identificou-o”.
- “Mas como é que ela me pode ter visto?”.
- “ Michaele, não minta. Você roubou o apartamento da Baptista!” (e aqui é quando a música se intensifica e se faz um grande zoom ‘as têmporas do suspeito, de onde começa a escorrer uma gota de suor, quase imperceptível).
Nisto, “deitando a mão ‘a testa e quase começando a chorar” (era assim que estava descrito no relatório), o carpinteiro confessa o crime e diz que não é mais o mesmo homem de há 15 anos. Ao que parece, no passado ele teria já uma história de crimes (que deduzi serem da mesma índole) mas mantinha-se “limpo” há 15 anos. No entanto, “porque perdeu o emprego e estava em dificuldades financeiras”, segundo as suas palavras, não sabe o que lhe ocorreu e deu de roubar. No relatório referiam ainda que “o suspeito se mostrou extremamente arrependido e disposto a colaborar totalmente nas investigações”. Assinou o Miranda (um documento qualquer mas que no início só nos fez perguntar: mas quem é a Miranda?) e revelou onde estavam os items roubados, assinando também uma autorização de busca ‘a casa dele.
Saímos de lá completamente esmagadas, numa profusão de sentimentos. A Joana mana sentia pena do carpinteiro, eu sentia um alivio imenso por não ter sido ninguém que eu conhecia e por o terem apanhado, e ao mesmo tempo pena da minha senhoria e uma revolta enorme por o caramelo se ter aproveitado da boa vontade dela. No entanto, com o passar do tempo, comecei também a ter alguma compaixão dele. Uma confusão!
No regresso, mais uma viagem de táxi e, a primeira pergunta ao entrarmos na viatura “Guilty or not guilty?” Lá deu o caso mais pano para mangas e conversa. Os motoristas que para aqui vêm devem ouvir as histórias mais rocambulescas.

Hoje, 6a feira, estou ainda ‘a espera das minhas coisas, pois o caso teve que entrar no sistema legal, tiveram que destacar um DA (District Attorney) e só depois disso é que determinarão se, para provas, precisam das coisas ou se fotos das mesmas bastam. Tive a sensação que vivi um filme e que não pode ter sido real. Tenho também consciência da sorte que tive e, como em “casa roubada, trancas ‘a porta”, agora tenho um cuidado extremo com tudo, bem como a minha senhoria, que vai tratar de pôr barras nas janelas e ter mais cuidado com quem contracta.
Ficam no entanto, mais duas lições:

Na falta de um mordomo, o culpado é o Carpinteiro!

Afinal filmes destes não se passam só em NY. Tem uma pessoa que vir para a parvónia para isto acontecer!

The End!

6 comments:

Anonymous said...

pá prendeste-me ao ecran como há muito não o fazia....li a história toda com uma realidade extrema...o Zé de que falas é meu amigo e eu imaginei ele a abraçar com aquele (desa)jeito que o caracteriza....esta história foi muito fixe....não leves a mal mas curtia que voltasse a acontecer....só para eu poder ler outra...Não tinha que ser contigo...com o zé tb não...podia ser com a senhoria....Mãos à obra...Ou como dizem "voçês" americans....Let's work for that....Beijinhos Inês e um abraço pó piquinhas, Zé Piquinhas..... A propósito ele já vos contou a história das mamas grandes e que por serem tão grandes ele não consegui......AHahahah....Foi numa festa de ota

∫nês said...

Bem, parece-me que temos aqui material para uma outra história. Mamas? Grandes? Não conseguiu? Conta lá isso melhor! E' que o Zé não se descoze com nada.

E o abraço dele não tem nada de desajeitado. O Zezito tem sido daqueles amigos que, desde os tempos da faculdade, me acompanha e se revela uma pessoa extraordinária e sempre disponível. Sei que posso sempre contar e confiar nele!

Sinceramente, prefiro que nenhum outro roubo volte a acontecer. POsso inventar qualqueri coisinha... sempre cuasa menos dores de cabeça!

Anonymous said...

Puto, XÔ para a barraca!

Red said...

Muito bom! Podias mandar isso como guião para o ny pd blues ou uma outra qualquer série policial!

Anonymous said...

Ines: ainda bem que tudo acabou bem. Mas tambem tenho que te dizer que tens um jeitao para escrever cronicas poiciais!!! Conseguiste mesmo prender a atencao.
Beijinhos e boas ferias (agora mais que nunca merecidas).
CN

Unknown said...

e falavam dos mordomos....

que historia recambolesca!