5.18.2006

Filme da Vida Real (Parte I)

Na 2a feira, após o trabalho, regressei a casa.
Porque chovia sem parar, desde há 10 dias atrás, a bicicleta ficou em casa e fazia agora esta distancia a pé. Debaixo do meu guarda-chuva azul, caminhei tranquilamente, enchendo a mente com os pensamentos mais variados. Se bem me lembro, acho que a maior preocupação se prendia com “o que vou fazer para o jantar?” e em desviar-me das poças de água para que os carros não me molhassem.

Chegada a casa, de imediato se desvaneceu este estado de placidez. Meti a chave ‘a porta e eis que esta, sem qualquer esforço, se abre.
Senti de imediato os calores que me são característicos quando fico alerta mas, por outro lado, não evitei exclamar “Hmm, that’s funny. I could swear I locked it this morning!”, numa de não me precipitar. Num qualquer lugar recôndito da minha cabeça, uma luz vermelha acompanhada de um alarme estridente soava já, ao mesmo tempo que a frase “something is wrong! something is wrong!” se avolumava em letras garrafais, preenchendo por total a minha mente.

Aberta a porta, a bicicleta estava caída no chão (e agora ouvia “SOMETHING IS WRONG!!! SOMETHING IS WRONG!!!”, ensurdecedoramente) mas, mais uma vez, o meu outro lado pensou: “algo a desequilibrou e caiu. talvez o descanso não esteja bom”. Mas logo deixei por completo que os alarmes me invadissem e tomei consciência de que a minha casa tinha sido assaltada.

Para além da bicicleta, também uma das colunas da aparelhagem estava no chão, enquanto que o resto do sistema de som se encontrava revolto sobre a mesa onde normalmente fica. A carpete estava enrodilhada.
“No, it can’t be! It can’t be!!!”, exclamava. E notem que o fazia em Inglês. Eu acho que era porque a situação era tão surreal e tão próxima de um filme que o Inglês me saía naturalmente, como sendo a linguagem mais apropriada.

Verifiquei que a televisão e o aparelho de DVD ainda estavam no sítio pelo que, ainda com uma réstia de esperança e tentando processar rapidamente a quantidade de informação com que era bombardeada, pensei “OK. Tentaram assaltar a casa, entraram mas, por alguma razão, não conseguiram levar as coisas todas, uma vez que tudo isto ainda está cá. Pode ser que no escritório também tudo esteja bem”.

E enquanto discorria nestes pensamentos, segui num misto de ansiedade e angústia para os outros compartimentos da casa, sem sequer me ocorrer que quem quer que fosse que tivesse feito isto talvez ainda estivesse lá. Felizmente isso não aconteceu mas o choque foi grande quando cheguei ao escritório e me deparei com a janela aberta, a cortina esvoaçante e a secretária vazia: computador, modem, colunas, rato, webcam, hard drive externa, máquina digital, carregadores, tudo... tudo roubado.

“No! No! No!” sussurrava quase sem voz. As mãos no rosto, as lágrimas a escorrerem-me e, facto interessante e até mesmo engraçado, os pensamentos mais inapropriados. Ao ver este cenário todo, sei que a primeira coisa que me veio ‘a cabeça foi “levaram a minha música toda”, o que não me parece lógico de todo mas que se veio a verificar ao longo de toda a história.

Não me lembro bem da sequência de eventos mas sei que, sem pensar, coloquei a bicicleta no sitio, levantei a coluna do chão, saí para a rua e gritei para o andar de cima, onde mora a minha senhoria. Ela assumou ‘a janela e, quase sem conseguir pronunciar as palavras que me pareciam tão surreais, falei, entrecortada por um choro estranho:
- The house has been robbed!

Desceu ela e o marido que, incrédulos, entraram para verem o mesmo cenário que eu. Acho que por uns minutos ninguém estava a pensar muito bem. Estávamos apenas estupfactos com o acontecimento: eu, porque, para além de tudo, reparei que a janela estava aberta sem ter sido forçada, quando podia jurar a pés juntos que a tinha sempre trancada; a minha senhoria porque, justamente naquele dia, passou o dia todo em casa, a entrar e a sair a toda a hora, juntamente com o carpinteiro, para arranjar coisas na cave, e lhe parecia impossível que alguém pudesse ter feito isto sem ter sido notado.

Num rasgo de lucidez, eu disse:
- We have to do something! Let’s call the police!
Em menos de nada, lá estava o detective que, da forma mais profissional que alguma vez vi (juro que parecia mesmo um filme), escutou e apontou tudo o que cada um de nós tinha para dizer, analisou a cena do crime e, para meu espanto (porque julguei que fossem lá apenas registar a ocorrência), tentou recolher impressões digitais da janela, da secretária, da cadeira, do móvel, da aparelhagem. Levou ainda consigo a rede que protegia a janela e que se encontrava no chão, do lado de fora da casa, para tentar analisar possíveis rastros na esquadra.

“E viva a América”, pensei.

Forneci todos os números de série do material roubado e perguntei se com isso seria mais fácil recuperar alguma coisa, ao que ele me respondeu:

- “To be honest Miss, we hardly ever recover anything. I wouldn’t have too many hopes!”. Frustrante!

E aí a senhoria lembrou-se que, a determinada altura, o carpinteiro referiu que havia gente em minha casa. Ela não ligou, julgando que era eu. Ainda mais frustrante!

E lá permaneci eu, sem quaisquer esperanças, num misto de choque, desamparo, tristeza e incredulidade. Ora ficava completamente séria e quase que ausente do local, fixada num qualquer ponto, como se não acreditasse no que se estava a passar, ou a realidade batia-me e desatava a chorar, num choro estranho e desconhecido para mim.

Abraçava-me a mim mesma, como que a confortar-me e a proteger-me ao mesmo tempo. Por incrível que pareça, ninguém (e falo da minha senhoria e do marido, que já me conhecem há meses) foi capaz de me tocar. Bastava uma mão no ombro e algo como “don’t worry” para eu me sentir menos perdida. Só isso, um pouquinho de calor humano. Mas não obtive absolutamente nada para além da distancia.

Passaram-se quase duas horas até que todos se foram embora e eu fiquei sozinha, naquela casa que agora me parecia desconfortável e conspurcada. Sentada no sofá, na sala, em mais um estado de apatia, fixei o olhar na carpete branca e mais um pensamento absurdo me ocorreu (é incrível a quantidade de parvoíce que nos ocorre numa situação destas): “Aposto que nem tiraram os sapatos e andaram por cima das minhas carpetes brancas a sujarem-nas!”

E senti um nojo imenso de tudo. Sentia que tudo estava sujo, invadido. “Será que mexeram nas minhas roupas? Nas minhas coisas? Alguém estranho violou o meu espaço, o meu cantinho”. Foi isso que senti, a minha privacidade invadida. Senti-me violada. E tive ganas e ímpetos de limpeza. Qual desvairada, aspirei tudo, esfreguei tudo com detergente, tentando retirar a sujidade invisível. E quando o frenesi cessou , já exausta, parei e quis partilhar a minha dor.

Telefonei a amigos/queridos: Joana mana, David e por fim o Zé. De todos recebi carinho e compreensão, apoio, amparo que me ajudou. Porque tinha consciência de que os ladrões sabiam agora o que a minha casa tinha, receei que voltassem para roubar o que não levaram e então sugeri ao Zé que viesse até minha casa buscar a aparelhagem de som (que permaneceu lá desde a minha festa de anos e que é dele). Nem teria sido preciso um pretexto. Assim que soube do sucedido, imediatamente o Zé se prontificou a ir ter comigo. E quando chegou... abraçou-me. E aí sim, finalmente senti-me acompanhada.

Foi dos abraços mais reconfortantes que alguma vez recebi e, não fosse o Zé espectacularmente impecável, tratou logo de me dizer: “vá, jantas em minha casa!”.
Fui com ele, transportámos a aparelhagem e depois foi-me servido um lauto jantar de moqueca com arroz, acompanhado de boa disposição e positivismo:

- Pah, se virmos bem as coisas, até foi bom isto tudo. Primeiro foi só dinheiro, tu estás bem, nada te aconteceu. Depois, é uma excelente oportunidade de fazeres um upgrade ao teu computador e máquina fotográfica. Tinham o quê? Dois anos!? Lá está, estavam mesmo a precisar de reforma. O ladrão até te fez um favor – brincava ele.

Descontraí e até entrei na onda:

- Yeah, tens razão. O caramelo podia era ter sido simpático e ter deixado a external hard drive para eu recuperar tudo o que tinha no computador.

Num espírito mais leve, regressei a casa, onde insisti em passar a noite sozinha, recusando ofertas de ir dormir a casa de amigos ou que eles ficassem comigo. Não quis de forma nenhuma que isto alterasse a minha vida mais do que já o tinha feito.

Confesso que estar sozinha em casa não soube lá muito bem mas, que remédio. Passou-se a noite, acordei muito em baixo mas não morri.

2 comments:

Unknown said...

bem, amiga, que azar!!

deve ser um sufoco chegar a casa e topar que alguém desconvidado andou por la´..:( forca!! anima-te! já passou!

se quiseres ficar mais descansada muda a fechadura para algo totalmente XPTO:)

aposto que a música recuperas num estantinho (há sempre amigos e outros caminhos -menos- legais) e o resto sao mesmo upgrades!

tinhas trabalho em casa que nao tivesses noutro sitio? acho que no fundo era isso que mais me assustaria..tenho panico de perder os meus dados todos.. já cheguei ao cumulo de ter um disco externo de back-up para o disco externo de back-up, 2!! lolol

Anonymous said...

mana!!! deixa lá!
oladrão nao sabia que estava a lidar com a bambinita portuguesita...olha o que lhe aconteceu!!??? azarito!!!
para a proxima tentem saber de quem é a casa...com a ines ninguem se mete!!
jokas e relaxa agora!!
meb