9.28.2011
Sempre acordada
Como constatado com um Amigo que nos visita: Nova Iorque é a cidade que nunca dorme, não pela actividade incessante mas por causa das ambulâncias, carros de polícia e bombeiros que não nos deixam dormir.
9.21.2011
Mundo traumático
Esta coisa de se viver nos EUA, mais propriamente em Nova Iorque, onde os ataques de 11 de Setembro de 2001 aconteceram, acaba por se nos entranhar no sistema e, mesmo logo ali, debaixo da pele, acessível 'a mais leve brisa de ar frio, eis que se eriçam os pêlos do braço com o medo subjacente em que se vive.
Nunca antes julguei viver com este "medo". Lembro-me que quando para cá vim, também para Nova Iorque, mas em 2004, me perguntavam se não tinha medo de morar num local tão apetecido pelos terroristas, ao que respondia que não. E não tinha, de facto.
Contudo, as coisas parecem ter mudado com o 10º aniversário da queda das torres gémeas. Mesmo sem queremos, a cidade começou a viver numa ansiedade e expectativa em antecipação desta data. Nas ruas sentiam-se (e ainda se sentem) os olhares dos polícias, as luzes das sirenes, a presença dos carros estrategicamente posicionados, os avisos aqui e ali, cuidado, se vir algo diga algo. É suspeito? Alerte!!
E, como disse, foi-se-nos entranhando no sistema.
Na 6a feira, dia 9 de Setembro, dirigi-me para o metro com uma amiga. Pelo caminho, o trânsito estava parado e caótico. A 2a avenida cheia de luzes até perder de vista. Nada de movia, nem para trás nem para a frente, excepto as pessoas dentro dos carros, agitadas e a buzinar, como se isso adiantasse alguma coisa. Havia luzes de sirenes por todo o lado, polícias, guardas, coletes anti-bala, armas aqui e ali, devido 'a ameaça de bomba em pontes de Nova Iorque e de Washington. Uma confusão mas, mesmo assim, seguiamos como se tal fosse normal, de tão comum que é a azáfama nesta cidade. Até deu para notar e saltar de susto e repugnância ao ver uma barata atravessar-se-me no caminho. Ai ca nojo!!!!!!
Descemos as escadas rolantes, passámos os torniquetes, descemos mais escadas rolantes e ficámos 'a espera do metro, na plataforma. Eis que os estalidos ensurdecedores que ecoaram pela estação nos alertaram para os altifalantes. De lá, por entre sons roufenhos e difíceis de decifrar, a voz de uma mulher: "Atenção!! Atenção!! Uma mulher acabou de saltar os torniquetes. Estou-me a passar com ela. Tem calças azuis, blusa branca e tem também... um hatchet".
Ficámos perplexas: primeiro pelo inusitado da situação. Porque raios nos estariam a avisar que alguém saltou os torniquetes? E a descrever a pessoa. E que forma estranha de o fazer, afinal "estou-me a passar com ela" não é a frase mais comum para se ouvir num altifalante. Seria isto o resultado da pressa em passar o alerta? Mas, espera, se nos estão a avisar é porque certamente se passa algo. Estaremos em perigo?? E aquela última frase? Um "hatchet"? Hatchet quer dizer machado. Será que vem por aí uma louca qualquer, daquelas que ataca um monte de pessoas indiscriminadamente?
Em milésimos de segundos isto foi o que passou pelas nossas cabeças, confusas e sem perceber bem o que se passava e até duvidando se de facto a palavra foi "hatchet", uma vez que o som era do piorio. Mas naquele impasse, a dúvida foi o suficiente para nos deixar em sobressalto. Afinal, poderia muito bem ser "hat" (chapéu) em vez de "hatchet". Mas, imperou a hipótese pior. Senti a adrenalina invadir-me imediatamente, o coração a bater mais forte e foi claro que ninguém na plataforma ficou indiferente. As cabeças viravam-se para as escadas e para os trilhos, a ver quem chegaria primeiro: o metro ou esta mulher, de quem nada sabíamos ou percebíamos mas que, ao ser algo desconhecido e suspeito, nos deixou imediatamente em sobressalto.
O metro chegou. Apressadamente, toda a gente entrou, olhando sempre para trás e suspirando de alívio quando as portas se fecharam. Da mulher, não houve mais sinal.
E, já mais tarde (e mesmo sem saber bem o que se tinha passado naquela plataforma), percebi que, de facto, o ambiente de medo em que se vive desde o 11 de Setembro, acaba por afectar toda a gente, mesmo aquela menos paranóica e preocupada como eu me considero.
E' o mundo em que vivemos!
9.19.2011
Storage Space
E' um facto que, em Nova Iorque, a maioria das pessoas lida com falta de espaço... e nada como aproveitar isso como forma de publicidade.
"Na casa do meu Pai existem muitos quartos" - João, 14-2
Claramente, Jesus não era um Nova Iorquino"
Excelente!
PS - Achei o anúncio tão bom que tive que tirar a foto, mesmo com o homenzinho 'a frente :)
9.15.2011
9.14.2011
A viagem de regresso: 2a parte
Confesso que, enquanto deitavam ao lixo toda a minha comidinha na alfândega dos EUA, tive vontade de perguntar se podia comer uma fatia daquela pizza deliciosa que assim se desperdiçava. Mas, não fosse o diabo tecê-las, decidi ficar caladinha (e cheia de fome) e tentar sair daquele embróglio o mais rapidamente possível.
Ainda bem que assim o fiz porque, caso tivesse alguma coisa no estômago, de certeza que o tinha vomitado perante o cheiro nauseabundo que se fez sentir na zona de (re)check-in e passagem pelo raio-X, onde toda a gente tem que se descalçar. Como diria o Herman, de certeza que havia por ali alguém que já tinha morrido e ainda não tinha recebido o aviso em casa. O cheiro era horrível e infestou o terminal todo. Era ver TODA a gente, de TODAS as filas a torcer o nariz, os seguranças com os dedos a apertar as narinas, uma maravilha. Aposto que se os cãezinhos catitas que cheiraram a minha mala cheirassem aquilo, caiam para o lado e ficavam incapacitados olfactivos para toda a vidinha. Olha, era da maneira que o meu salpicão se safava!!
Enfim.
Passado mais este tormento, chego finalmente 'a porta de embarque, para um vôo de cerca de 20 minutos, de Filadélfia para Nova Iorque. O meu estômago voltou a dar sinal de vida e ainda pensei em comer alguma coisa mas "ah, são só 20 minutos, como quando chegar a casa", pensei.
Caminhámos pela pista, deixamos a nossa bagagem de mão no carrinho 'a entrada do avião e entrámos num teco-teco minúsculo, com 2 hélices e que começou a tremer por todo o lado assim que estas entraram em funcionamento. Ficámos a curtir aquele torpor e barulho durante uns bons 20 minutos, altura em que, finalmente, nos começámos a deslocar na pista. Andámos, parámos, andámos, parámos e nada de descolarmos. Passam mais uns 15 minutos e o capitão finalmente diz-nos que estamos em 9ª posição para sairmos e que, dentro de 15 minutos, devemos estar no ar. E com isto, já se tinham passado quase 40 minutos e o meu estômago continuava a reclamar... e a suspirar pela pizza e pelo salpicão.
Esperamos 5, 10, 15, 20 minutos, e as hélices ensurdecedoras a dar a dar, nós a termermos (ou seria o meu estômago aos pinotes?) e nada de sairmos de Filadélfia. Finalmente, o PA de novo, a voz do capitão e a esperança de que fossemos ouvir "é agora".
Não.
"Ah, vamos ter que abortar a descolagem porque passou agora um avião por nós que nos alertou para o compartimento de carga mal fechado, com algo a sair. Vamos ter que encontrar um local para estacionar e verificar o que se passa".
Éláh, isto é todo um novo nível. Possibilidade de ter as malas a voar pelo ar é novidade. Lindo!
E lá fomos nós passear pelas pistas do aeroporto. O cenário era meio surreal: o avião a andar, o pessoal todo a tirar os cintos, a ligar os telemóveis e a falar a contar as novidades. Parecia uma excursão só que, na falta de um autocarro, olha, peguem lá uma avioneta. Lá se passaram mais uns 10 minutos quando finalmente parámos, o capitão saltou lá para fora, saltou a hospedeira, voltaram para depois nos dizerem: está tudo bem!! Afinal não se passa nada. Era só a tira de fechar o compartimento que criou a ilusão de óptica. By the way, agora vamos ter que esperar que venha o camião com combustível, porque temos que reabastecer."
UAU, tudo o que eu queria: esperar AINDA mais.
Depois de mais de 1 hora com as hélices ligadas, já não tínhamos que chegasse para o vôo de 20 minutos. Até eu já estava sem combustível de tão coladinho 'as costas que estava o meu estômago. Desculpa lá amigo, devia ter pedido aquela fatia de pizza!
9.10.2011
Aniversários Camones
Este é o fim de semana do 11 de Setembro e NY está em polvorosa face 'a possibilidade de retaliações e novos ataques terroristas na data comemorativa do 10º aniversário daquela desgraça.
Ontem, uma demonstração poderosa de armamento e segurança ocupou as ruas devido a um alarme de bomba na cidade. O trânsito esteve caótico.
O fim de semana avizinha-se um terror. Precauções, cuidado, nada de andar de metro... Mas, a bem da verdade, devo dizer que o pior pesadelo está aqui, mesmo 'a porta, em frente 'a minha varanda, onde uma festa de anos, com palhaços aos berros, se desenrola já há mais de 1 hora.
Socorro!!!
Fineprint
Ainda a propósito do côro, no email que recebi a confirmar que eu tinha sido aceite no grupo, lê-se no fim:
"Please arrive at least 15 minutes early in order to pay dues, pick up music, find your section leader and your seat. Please bring a pencil to every rehearsal so you can mark up your music. Out of respect for your fellow members please do not wear perfume, aftershave or cologne."
"Por favor, chegue pelo menos 15 minutos antes, por forma a pagar taxas, receber as pautas, conhecer o seu chefe de secção e saber qual o seu lugar" - até aqui, tudo normal.
"Por favor, traga um lápis para todos os ensaios, para que possa fazer notas nas suas pautas" - normaleco também.
"Respeite os seus colegas. Por favor não use perfume ou água de colónia" - O QUÊ??
Chegar lá a cheirar a suor ou a cavalo é que é respeitar o próximo?!
Nem pensar!!
"Jamé" (jamais, em Francês :)) abdicar do meu "Pleasures"!!!
Se alguém se queixar, juro que no ensaio seguinte vou a feder a lixívia e a cebola, com os pés a cheirar a chulé e ainda levo um queijo dentro da mala... a ver se depois não me imploram que use perfume afinal.
Ou vai ou racha. Foi!
Lá diz o povo e com razão que, 'a 3a é de vez. E foi mesmo!
Como já escrevi há tempos aqui e aqui, tentei em diferentes ocasiões integrar um coro. Na primeira tentativa chegei até 'a final, para depois ser elimiada. Na 2a tentativa, a coisa foi tão escabrosa que me mandaram logo de requitó para casa, sem passar pela casa de partida e receber o bónus.
Desta vez, tentei juntar-me 'a New York Choral Society e, pelo sim pelo não, nem fiz muito alarido da coisa, não fosse isto dar para o torto e vocês começarem a julgar que eu tenho estado este tempo todo em negação e que já está na altura de aceitar que tenho voz de cana rachada.
Felizmente, desta vez a coisa foi diferente e foi com muita satisfação que recebi as boas vindas por parte do coro. Confesso que vi a coisa tremelicar quando lá cheguei e comecei a ouvir sobre a reputação do côro.
Basicamente, dei com eles numa busca rápida pelo Google de côro em Nova Iorque. Foram o primeiro hint, vi que tinham audições para breve... então 'bora lá. Não aprofundei muito mais. Mas ontem, enquanto esperava pela minha vez, comecei a ouvir sobre as actuações no Carnegie Hall, no Avery Fisher Hall, com o Pavarotti nos Grammy's (que depois não apareceu e foi substituido pela Aretha Franklin), do quão bons eles eram e comecei a pensar que me ia meter numa bela embrulhada, que aquilo não era coisa para o meu calibre. Mas, já que lá estava... seja.
Confesso que me senti a vontade e que a coisa correu bem. Embora tenha cantado 'a capela, deixei a Telepatia de lado e desta vez cantei Killing me Softly. Está visto que a coisa agradou.
ASsim sendo, voilá! Começo os ensaios na 3a feira e estou ansiosa.
A cereja em cima do bolo: cantar com o côro já em Dezembro, no Carnegie Hall.
Quem diria que um dia pisaria aquele palco? :)
9.09.2011
E o Chato o Vento Levou
Como já referi antes, aqui e aqui, temos um porteiro mesmo "muita" chato!
Ele é tão chato que, quando é preciso passar pelo lobby e sabemos que ele lá está, eu e o David fazemos pactos, acordos, tratos, tudo e mais alguma coisa: Ok, hoje vou eu, mas da próxima vez és tu. Ou, hoje é a tua vez porque eu aturei-o a semana passada.
Ele é tão chato que sabemos de cor os dias em que ele está de folga. Paz!
Agora que passa várias semanas fora de casa, o David programa o seu regresso para esses dias e exclama ao chegar a casa: é bom vir a casa!! Vejo-te e não ponho a vista em cima do porteiro chato.
Ele é tão chato que, nos faz desistir de ir ao ginásio se sabemos que é a ele que temos que pedir que nos abra a porta.
Ele é tão chato que, quando o furacão Irene ameaçou a Big Apple há duas semanas, o David desejou que o vento levasse o raio do porteiro.
E não é que deve ter levado mesmo?!?!
Há mais de uma semana que não há sinal do Chato. Que chegamos ao lobby, meio que ansiosos para ver se ele está lá, e é com alívio que constatamos que não, que só temos que dizer "Olá" e basta para seguirmos.
Se realmente foi com a Irene, a esta hora o Chato deve estar a azucrinar o juízo de alguém no Canadá. Só espero que não enfureça a Irene de tal maneira que ela se vingue e nos mande outra tempestade :)
9.03.2011
A morte do Artista - El Salpicão
Na 5a feira passada regressei aos EUA, após 3 deliciosas semanas em Portugal.
Como já vem sendo costume nestes mais de 7 anos, durante os quais já repeti esta viagem um cem número de vezes, na bagagem, para além das saudades (que nunca se dissipam), trago também os mimos com que a minha Madrecita me repleta a mala. Bifes e carne recheada, língua estufada, esparregado, bacalhau com grão, massa de coelho, etc... só a título de exemplo.
Podia eu própria cozinhar estas coisas por aqui? Podia... mas não teria o mesmo gostinho!
E' da praxe que no dia anterior 'a viagem a minha Mãe o passe com as compras dos ingredientes fresquinhos, que fique horas na cozinha 'a volta do fogão e das panelas, a preparar todas estas iguarias, com Amor incondicional (o tal tempero especial).
Ao fim do dia, tudo é embalado de forma exímia, para depois ser colocado na malita estrategicamente, bem acomodado, para chegar a são e salvo 'a cozinha deste lado do Atlântico.
Esta vez não foi excepção e, no dia da viagem, a mala a despachar no check-in rebentava de tanta fartura. Porque há sempre o querer de mais alguma coisinha, lembrei-me de que também gostava de levar uns salpicões (iguaria que trouxemos da Régua, fruto da doçura constante dos meus Tios Nanda e João... mais um tempero especial). Como já antes tinha levado do mesmo na mochila que segue comigo, dentro dos sapatos (experiência, experiência: são muitos anos a virar frangos, heheh), decidi pôr 2 destes espécimens dentro dos meus ténis, que por sua vez iam dentro da tal mochila.
E eis que este foi o primeiro erro fatal da história que vos vou contar.
Passado o raio-X em Lisboa, tudo foi tranquilo. Não me disseram nada e eu nada disse, seguindo contente para o embarque.
Chegada 'a alfândega dos EUA, a típica pergunta: traz comida ou bebida consigo?
A típica resposta: sim, trago azeite, vinho do Porto, chocolates, bolachas.
Não estou a mentir... só não faço uma lista extensiva de tudo. Coitado, o homem tem mais que fazer :)
E eis que me planto diante do carrossel, para recolher a mala da fartura, prestes a ser depositada em terras do tio Sam. E é neste momento que faço o segundo erro fatal.. já vão perceber porquê.
Porque a mochila estava bastante pesada e se adivinhava uma espera algo demorada para a chegada das malas, decidi pousá-la no chão (O erro), para poupar as minhas costas, já massacradas das 1001 voltas dadas na cadeira minúscula do avião. Vai daí, passados uns minutos, noto uma guarda com um Beagle pela trela a passear por entre as pessoas que, tal como eu, aguardavam.
Gosto tanto de cães que, sempre que vejo um, fico a olhar para ele com um sorriso parvo. A estes do aeroporto acho-os tão giros que me esqueci completamente que, dentro da mala, tinha os salpicões... e que a mala estava no chão... e claro está que o cão de parvo não tem nada e qualquer um desata aos saltos de alegria 'a mínima inspiração da essência de tal iguaria.
Com o tal sorriso parvo no rosto, vi o cão aproximar-se da minha mochila, e estacar, abanando a cauda todo catita. Óbvio que fiquei logo sem o sorriso parvo, quando me lembrei porque é que o bicho estava a exibir tal comportamento. Não era felicidade por me ver, concerteza.
- Tem alguma carne dentro da sua mochila? - perguntou-me a guarda simpaticamente.
Ainda tentei inventar qualquer desculpa 'a pressão mas, como não tenho jeitinho nenhum para mentir ou improvisar, antes que o pudesse controlar já estava a dizer - Sim, tenho um salpicão. Mostrei-o 'a guarda, que me disse que,'a saída do terminal, teria que passar por uma outra secção e mostrar isto aos guardas que lá estavam. No formulário de alfândega rabiscou-me para lá umas coisas em letras gigantes e, agora com um sorriso amarelo, disse que sim 'as instruções recebidas e continuei 'a espera da mala.
Chegou a mala, peguei nela e lá fui eu, com a mala, a mochila, o salpicão e o formulário rabiscado em direcção aos tais guardas, na esperança de que só tivesse que mostrar o papel, entregar o enchido e bazar. Mas não, claro está.
Para além dos guardas, uma máquina de raio-X gigante. Oh-oh, exclamei. Numa manobra de diversão totalmente falhada e frouxa, ainda deixei a mala da fartura 'a entrada, e segui para eles só com a mochila e o salpicão na mão, mas está na cara que nenhuma mala abandonada passa despercebida (muito menos nesta terra de fanáticos) e um guarda, tão querido, veio atrás de mim com a mala da fartura. Ah, é verdade, respondi com um sorriso já não sei de que côr. E lá peguei eu na mala da fartura, agora o meu bem menos desejado naquela situação.
E pronto, já se adivinha o que se seguiu. Passaram as malas todas pelo raio-X, mandaram-me abrir a mala da fartura, e... voilá! Que é isto? Bifes recheados. Lixo. E isto? Carne recheada. Lixo. E isto? Pizza (não se riam! E' a melhor do mundo e tenho que a trazer comigo também :)). Pizza de quê? Galinha (parva, porque é que não disse vegetais? Porque é que não sei mentir?). Lixo. Ao lado, o cãozinho abanava a cauda de contente, tais os aromas apetitosos que se faziam sentir. Mas eu, a única coisa que sentia era uma pena tremenda de ver tanta comida boa a ser desperdiçada, quando há tanta fome no mundo... e ver também o esforço e carinho da minha Mami irem para o lixo, literalmente. Ainda ensaiei algo como - Essa comida é toda boa! Não a podem dar aos cãezinhos? Uma gaja que lá estava, mal encarada, respodeu - se não serve para si também não serve para os cães. Noutra situação teria ripostado mas, como ali já estava com a corda ao pescoço bem apertada, engoli em seco e fiquei caladinha.
O guarda que, estupfacto, me questionava sobre o que tinha dentro dos tupperwares e deitava fora todo o seu conteúdo, não querendo acreditar que havia sempre mais alguma coisa a supervisoonar, até era simpático e quase que parecia sentir a minha dor. No fim, pediu-me o passaporte. Aí sim, passei da fase do sorriso de côr indeterminada para a fase dos calores, que é quando percebo que a coisa pode ser mesmo séria.
Senti a nuca transpirar imediatamente, bem como o suor a escorrer-me pela barriga. Ouvi os meus instestinos contrair-se. Perder a comida, ainda é como aquela, pronto, enfim, azareco. Mas, se aquilo interferisse com a manutenção do Greencard, aí a coisa já piava mais fino.
Estava eu nestas conjecturas quando o tal guarda simpático regressou com o meu passaporte na mão, bem como com o formulário da alfândega (onde, devo dizer, tinha escarrapachado cruzes em tudo o que era NÃO 'as perguntas traz carnes, frutas, vegetais, etc...).
Delicadamente, pegou no formulário e começou a explicar-me que não há qualquer problema em assinalar um SIM 'as perguntas sobre comida, pois há coisas que se podem trazer. No entanto, compete-lhes a eles, decidirem o que é permitido e o que não é. E que me tinha arriscado a uma multa de $300 dólares e blá, blá, blá. Só consegui balbuciar que sim, que ele tinha razão e que eu sabia que estava a fazer uma coisa errada. Talvez pela falta de resistência (e por ser um gajo e eu uma gaja... se fosse uma guarda de certeza que não tinha sido assim tão civilizado), devolveu-me o passaporte, acompanhou-me até 'a saída e disse aos guardas para me deixarem passar.
Ai salpicão, salpicão... que me traíste!
E pronto, esta foi a primeira aventura no meu regresso aos EUA, com os melhores cumprimentos de um Beagle todo lampeiro e certeiro. Ah, digo primeira porque depois seguiu-se outra, que já conto!
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