9.03.2011

A morte do Artista - El Salpicão



Na 5a feira passada regressei aos EUA, após 3 deliciosas semanas em Portugal.

Como já vem sendo costume nestes mais de 7 anos, durante os quais já repeti esta viagem um cem número de vezes, na bagagem, para além das saudades (que nunca se dissipam), trago também os mimos com que a minha Madrecita me repleta a mala. Bifes e carne recheada, língua estufada, esparregado, bacalhau com grão, massa de coelho, etc... só a título de exemplo.

Podia eu própria cozinhar estas coisas por aqui? Podia... mas não teria o mesmo gostinho!

E' da praxe que no dia anterior 'a viagem a minha Mãe o passe com as compras dos ingredientes fresquinhos, que fique horas na cozinha 'a volta do fogão e das panelas, a preparar todas estas iguarias, com Amor incondicional (o tal tempero especial).
Ao fim do dia, tudo é embalado de forma exímia, para depois ser colocado na malita estrategicamente, bem acomodado, para chegar a são e salvo 'a cozinha deste lado do Atlântico.

Esta vez não foi excepção e, no dia da viagem, a mala a despachar no check-in rebentava de tanta fartura. Porque há sempre o querer de mais alguma coisinha, lembrei-me de que também gostava de levar uns salpicões (iguaria que trouxemos da Régua, fruto da doçura constante dos meus Tios Nanda e João... mais um tempero especial). Como já antes tinha levado do mesmo na mochila que segue comigo, dentro dos sapatos (experiência, experiência: são muitos anos a virar frangos, heheh), decidi pôr 2 destes espécimens dentro dos meus ténis, que por sua vez iam dentro da tal mochila.
E eis que este foi o primeiro erro fatal da história que vos vou contar.

Passado o raio-X em Lisboa, tudo foi tranquilo. Não me disseram nada e eu nada disse, seguindo contente para o embarque.

Chegada 'a alfândega dos EUA, a típica pergunta: traz comida ou bebida consigo?
A típica resposta: sim, trago azeite, vinho do Porto, chocolates, bolachas.
Não estou a mentir... só não faço uma lista extensiva de tudo. Coitado, o homem tem mais que fazer :)

E eis que me planto diante do carrossel, para recolher a mala da fartura, prestes a ser depositada em terras do tio Sam. E é neste momento que faço o segundo erro fatal.. já vão perceber porquê.

Porque a mochila estava bastante pesada e se adivinhava uma espera algo demorada para a chegada das malas, decidi pousá-la no chão (O erro), para poupar as minhas costas, já massacradas das 1001 voltas dadas na cadeira minúscula do avião. Vai daí, passados uns minutos, noto uma guarda com um Beagle pela trela a passear por entre as pessoas que, tal como eu, aguardavam.

Gosto tanto de cães que, sempre que vejo um, fico a olhar para ele com um sorriso parvo. A estes do aeroporto acho-os tão giros que me esqueci completamente que, dentro da mala, tinha os salpicões... e que a mala estava no chão... e claro está que o cão de parvo não tem nada e qualquer um desata aos saltos de alegria 'a mínima inspiração da essência de tal iguaria.

Com o tal sorriso parvo no rosto, vi o cão aproximar-se da minha mochila, e estacar, abanando a cauda todo catita. Óbvio que fiquei logo sem o sorriso parvo, quando me lembrei porque é que o bicho estava a exibir tal comportamento. Não era felicidade por me ver, concerteza.

- Tem alguma carne dentro da sua mochila? - perguntou-me a guarda simpaticamente.
Ainda tentei inventar qualquer desculpa 'a pressão mas, como não tenho jeitinho nenhum para mentir ou improvisar, antes que o pudesse controlar já estava a dizer - Sim, tenho um salpicão. Mostrei-o 'a guarda, que me disse que,'a saída do terminal, teria que passar por uma outra secção e mostrar isto aos guardas que lá estavam. No formulário de alfândega rabiscou-me para lá umas coisas em letras gigantes e, agora com um sorriso amarelo, disse que sim 'as instruções recebidas e continuei 'a espera da mala.

Chegou a mala, peguei nela e lá fui eu, com a mala, a mochila, o salpicão e o formulário rabiscado em direcção aos tais guardas, na esperança de que só tivesse que mostrar o papel, entregar o enchido e bazar. Mas não, claro está.

Para além dos guardas, uma máquina de raio-X gigante. Oh-oh, exclamei. Numa manobra de diversão totalmente falhada e frouxa, ainda deixei a mala da fartura 'a entrada, e segui para eles só com a mochila e o salpicão na mão, mas está na cara que nenhuma mala abandonada passa despercebida (muito menos nesta terra de fanáticos) e um guarda, tão querido, veio atrás de mim com a mala da fartura. Ah, é verdade, respondi com um sorriso já não sei de que côr. E lá peguei eu na mala da fartura, agora o meu bem menos desejado naquela situação.

E pronto, já se adivinha o que se seguiu. Passaram as malas todas pelo raio-X, mandaram-me abrir a mala da fartura, e... voilá! Que é isto? Bifes recheados. Lixo. E isto? Carne recheada. Lixo. E isto? Pizza (não se riam! E' a melhor do mundo e tenho que a trazer comigo também :)). Pizza de quê? Galinha (parva, porque é que não disse vegetais? Porque é que não sei mentir?). Lixo. Ao lado, o cãozinho abanava a cauda de contente, tais os aromas apetitosos que se faziam sentir. Mas eu, a única coisa que sentia era uma pena tremenda de ver tanta comida boa a ser desperdiçada, quando há tanta fome no mundo... e ver também o esforço e carinho da minha Mami irem para o lixo, literalmente. Ainda ensaiei algo como - Essa comida é toda boa! Não a podem dar aos cãezinhos? Uma gaja que lá estava, mal encarada, respodeu - se não serve para si também não serve para os cães. Noutra situação teria ripostado mas, como ali já estava com a corda ao pescoço bem apertada, engoli em seco e fiquei caladinha.

O guarda que, estupfacto, me questionava sobre o que tinha dentro dos tupperwares e deitava fora todo o seu conteúdo, não querendo acreditar que havia sempre mais alguma coisa a supervisoonar, até era simpático e quase que parecia sentir a minha dor. No fim, pediu-me o passaporte. Aí sim, passei da fase do sorriso de côr indeterminada para a fase dos calores, que é quando percebo que a coisa pode ser mesmo séria.

Senti a nuca transpirar imediatamente, bem como o suor a escorrer-me pela barriga. Ouvi os meus instestinos contrair-se. Perder a comida, ainda é como aquela, pronto, enfim, azareco. Mas, se aquilo interferisse com a manutenção do Greencard, aí a coisa já piava mais fino.

Estava eu nestas conjecturas quando o tal guarda simpático regressou com o meu passaporte na mão, bem como com o formulário da alfândega (onde, devo dizer, tinha escarrapachado cruzes em tudo o que era NÃO 'as perguntas traz carnes, frutas, vegetais, etc...).

Delicadamente, pegou no formulário e começou a explicar-me que não há qualquer problema em assinalar um SIM 'as perguntas sobre comida, pois há coisas que se podem trazer. No entanto, compete-lhes a eles, decidirem o que é permitido e o que não é. E que me tinha arriscado a uma multa de $300 dólares e blá, blá, blá. Só consegui balbuciar que sim, que ele tinha razão e que eu sabia que estava a fazer uma coisa errada. Talvez pela falta de resistência (e por ser um gajo e eu uma gaja... se fosse uma guarda de certeza que não tinha sido assim tão civilizado), devolveu-me o passaporte, acompanhou-me até 'a saída e disse aos guardas para me deixarem passar.

Ai salpicão, salpicão... que me traíste!

E pronto, esta foi a primeira aventura no meu regresso aos EUA, com os melhores cumprimentos de um Beagle todo lampeiro e certeiro. Ah, digo primeira porque depois seguiu-se outra, que já conto!

4 comments:

Hélio do Vale said...

E ainda dizem que os o polícias são isto e aquilo...eheheh amigalhaço...

Fadalê said...

Só quem mente e usa de artimanha é que lucra com a coisa....
Para a próxima?! põe SIM e, em caso de dúvida, põe NIM, assim como um empate :)

Anonymous said...

Que situação! Até eu já estava a salivar com essa descrição. beijos

Ivone

Anonymous said...

Adorei a historia! E isto pq eu eu qd vou ao Porto visitar a familia faco o mesmo....levo a mala cheia de presentes e trago-a cheia de comidinha, hehe. Felizmente venho para Londres, UE, assim q ainda nao tive a infelicidade de ser apanhada.
O unico q me aconteceu foi ter de deixar 900gr de um delicioso "Doce de Leche" q tinha comprado no aeroporto qd vim de Bogota via Madrid, a tipa do raio X disse q era producto lacteo proibido de entrar na UE, etc, etc.
O pa olha, o unico positivo e q poupei uns kilitos extra!!
Jinhos
Sonia C5 Mexicana