2.22.2012

As Tangerinas



Não posso dizer que tenha desejos durante a gravidez. Pelo menos, não até agora.
Sinceramente, espero não passar por aquelas loucuras de acordar a meio da noite com uma vontade esganada de comer uma qualquer iguaria que não lembra nem ao menino Jesus e correr seca e meca (ou fazer o David correr) até a encontrar.

Contudo, é um facto que, no início da gravidez, tinha uma vontade enorme de comer citrus: laranjas, tangerinas, até limão... tudo me parecia extremamente apetecível. Como disse, não acordava a meio da noite desesperada por um gomo suculento mas, quando vislumbrava um destes frutos, via um sumo de laranja, uma limonada ou algo semelhante, sentia de imediato vontade de o ter para mim.

Ora, estávamos nós muito felizes e contentes na Jamaica, quando um senhor apareceu perto de nós, na praia, com um saco cheio de tangerinas. Pelos vistos, tinha acabado de as comprar algures, ali por perto. Até então, a única fruta que tinha vislumbrado por aquelas bandas tinha sido bananas, papaias e abacaxis, mas assim que vi aquelas tangerinas, o mundo reduziu-se a um canudo e toda a minha atenção e o meu desejo se focou naqueles frutos laranja.

E parecia um robot, empancado numa ordem e que não pode avançar sem que esta seja cumprida:

- QUERO TANGERINAS!!!

De um salto, levantei-me. Parecia que tinha uma mola no rabo. E fui ter com o senhor, que agora se preparava para descascar uma:

- Desculpe, onde comprou essas tangerinas? - balbuciei, disfarçando com dificuldade a saliva que me humedecia a boca e quase deslizava pela língua, olhando fixamente para as tangerinas e quase sem dirigir o olhar para o senhor.

- Ali, mais abaixo, há uma velhota perto do resort blá blá blá... - e neste momento já nem conseguia ouvir nada, uma vez que as minhas narinas eram inundadas pela essência que emanava da casca rasgada, expondo agora os gomos laranja suculentos. Tive que me segurar para não lhos pedir.

Engoli a saliva que quase me afogava.

- Obrigada!

Virei costas, agarrei na mão do David que, sem hipótese, teve que me seguir:

- Vamos comprar tangerinas!!!!

E lá seguimos pela praia, prescrutando tudo e todos na tentativa de encontrar rapidamente a dita velhota, guardiã do tesouro. O sol estava a pique. Quente, queimava-nos as costas, toldava-nos o olhar, agora franzido, para combater tanta luminosidade. Mas nada me parava.

- Temos que encontrar AS tangerinas!!

E dizia aquilo com tamanha convicção e desejo que, em menos de nada, em vez de 1 erámos já 2 com uma vontade tremenda de comer tangerinas. E andámos e andámos e andámos. E nada de encontrar a velhota. E continuámos a andar. Perguntámos a uma senhora se sabia onde poderíamos encontrar tangerinas: mais 'a frente, respondeu. E continuámos a andar.

Já perto do resort que me parecia soar vagamente ao nome que o senhor tinha dito (mas que, para dizer a verdade, nunca ouvi bem de tão inebriada que estava), perguntámos a um nativo se sabia de uma velhota que vendia fruta. Ah, a avozinha, exclamou ele com o que nos pareceu ser uma certeza inabalável de que tínhamos chegado ao destino. Sim, está ali. Vão falar com ela.

Vimos uma velhota pachorrenta, sentada no alpendre, sem qualquer sinal de tangerinas ou qualquer fruta. Mesmo assim, dirigimo-nos a ela. Quando questionada sobre laranjas/tangerinas, disse que sim, que tinha. Perguntámos quanto custavam, tentou extorquir-nos uma fortuna, discutimos o preço e deixou-nos com um "esperem aqui".

Esperámos. E vimos a velhota, lentamente, dirigir-se para as traseiras da casa. Lentamente, vimo-la também passar para um dos lados com um balde vazio. Passados uns 10 minutos, voltámos a vê-la, lenta, passar para o outro lado, ainda com o balde vazio. E ali continuámos 'a espera. Mais 10 minutos, mais 20, mais 30... quase 45 minutos volvidos eis que a velhota sai, lentamente, das traseiras da casa, desta vez carregando não só o balde (ainda vazio), como uma sombrinha. Lenta, passou um pouco 'a nossa frente, sem nos dar qualquer cavaco. Lenta, continuou até uma banquinha de madeira branca, vazia, mais 'a frente, junto ao mar.

Agora, já com cara de parvos e de "só pode estar a gozar connosco!!", vimo-la, lentamente, caminhar até ao mar. Encheu o balde com água. Lentamente, regressou até 'a banquinha e, lentamente, começou a lavar a mesma com a água salgada.

Só connosco!!! O raio da velha ainda está a montar o estaminé para vender fruta (que continuávamos sem ver)!!!! Já desesperada, sequiosa de citrus, citrus, citrus, tão sequiosa quanto determinada, exclamei: continuemos então. Se aquele senhor encontrou tangerinas, nós também vamos encontrar. Eu TENHO que comer tangerinas. TENHO!!!!!

E lá seguimos pelo extenso areal. Só para terem uma ideia, a praia chama-se "Seven Mile Beach" (praia das 7 milhas... ou seja, de 11.2654 km). Não exagero se vos disser que percorremos mais de metade da praia em busca das tangerinas perdidas (mais parecíamos o Indiana Jones).

Eis então que encontrámos uma banca de fruta. É ALI!!!! Exclamei, qual Moisés perdido no deserto quando encontrou um oásis. E corri para a banca. Lá, uma monte de fruta mal encarada. As tangerinas não eram sequer laranja. Deformadas, olharam-me mal encaradas e verdes. Mesmo assim, quis comprá-las. Como nestas coisas tudo tem que ser difícil (não fosse isto passar-se comigo), demos com uma velhota hiper-mega-super-uber mal encarada, mal educada e que julgava que os turistas são estúpidos. Conseguiu que me crescesse uma raiva maior que o meu desejo, o que me fez mandá-la 'a fava e partir para a terceira empreitada da busca das tangerinas.

Como 'a terceira é de vez, finalmente, lá ao fundo, mais de 2 horas passadas sobre o início da nossa peregrinação, apareceu uma outra velhota, numa banquinha simples, pequena... mas com umas tangerinas lindas!! Sorridente, presenteou-nos com a simpatia a que nos habituámos na Jamaica (a velha ranhosa de antes deve ser a ovelha negra lá do sítio). Mesmo o preço sendo justo, o David tentou baixar mais um pouco. Resisti e disse, com uma vontade incomensurável de enfiar aquelas tangerinas na boca, não, está bem, está justo. A senhora sorriu mais uma vez: a menina é boa pessoa... em vez de 4 dou-lhe 5 tangerinas pelo mesmo preço!
Quem merece, merece!!

E, após tamanho sofrimento, não consigo descrever o quão bem me souberam os primeiros gomos quando, sentada sobre a kanga, numa sombra, devorei a primeira tangerina. Passadas 3 peças de fruta e saciado um pouco do meu desejo, percebi que as tangerinas nem eram tão espectáculares assim. Mas eu TINHA que comer tangerinas!!

Felizes e contentes, curtimos aquele lado da praia que ainda não conhecíamos, banhámo-nos, secámos ao sol, para depois regressarmos aonde tínhamos partido. Inacreditavelmente, passado aquele tempo todo, só agora a primeira velhota se sentava para começar a vender a fruta. Se tivéssemos ido na conversa dela, 'aquela hora ainda estávamos 'a espera das ditas laranjas. Lentidão é o espírito da Jamaica!

Esta história já vai longa e quase soa a loucura sentir tamanha vontade de comer citrus. No entanto, há uma explicação científica, que passo a partilhar convosco, não vão vocês pensar que sou doidinha.

No início da gravidez, o corpo de uma mulher passa a produzir mais sangue, por forma a transportar o oxigénio e nutrientes necessários ao bebé. No fim da gravidez, o volume de sangue terá aumentado entre 30% a 50%, sendo que o período de produção saguínea mais acentuado ocorre durante as primeiras 12 semanas. Assim, a quantidade de ferro disponível na corrente sanguínea diminui, sendo bastante difícil atingir os 30mg de ferro necessários diariamente durante a gravidez (o dobro, comparado com a dose necessária normalmente).
Ora, a nossa amiga vitamina C (sobejamente presente em citrus), ajuda a fixar e a aumentar a absorção de ferro.

Eu nem sabia disto na altura... só sabia que TINHA quer comer tangerinas!!
Mas, a Natureza tem sempre razão.

Daí o meu ar de felicidade na foto :)

3 comments:

Susie said...

Durante a gravidez adorava comer fruta, especialmente pêssegos, nem te digo qtos chegava a comer de cada vez ;)

Ana Nascimento said...

cá está que a minha mãe se fartava de comer laranjas qdo estava grávida! segundo ela, foi a única coisa que notou em termos de comidas (se não contarmos com o aumento de apetite generalizado.. :)) beijinhos!!!!

Anonymous said...

passei aqui só para ver como estás...

que bom esta tudo tao bem!

Bjinhos

Je