5.30.2005

Movida pela Música

Em 2003 decidi pegar na minha mochila e ir para o Brasil, onde acabei por ficar quase 2 meses. Embora tivesse alguns pontos definidos ao longo da viagem, deixei-me literalmente ir pela corrente e ver onde pararia. Invariavelmente, e não fosse o Brasil um país que transpira musicalidade, deixei-me guiar pela música. Recordo com saudade as noites de forró em Natal ou Porto Seguro, os Luaus, as danças na praia, os batuques do Olodum em Salvador da Bahia e o molejo dos corpos morenos. Mulatos, sorrisos amplos e francos.

Frequentemente, vem-me ‘a memória um serão passado no arquipélago de Tenharé, em Morro de S.Paulo. Uma das melhores noites de sempre.
A noite estava quente. O céu, escuro, limpo e repleto de estrelas que iluminavam o mar calmo. Um brisa morna e leve irrompia de vez em quando por entre a humidade pesada e o cheiro verde, tropical. Na praça do lugarejo as pessoas passeavam-se: a luz da lua reflectia nas peles morenas, transpiradas. Roupas leves e coloridas, águas de côco e chinelos nos pés que se enterravam no areal. Formavam-se pequenos grupos onde houvesse umas cadeiras ou uns bancos. Qualquer lugar servia num local assim, tão simples, ainda protegido da febre do turismo.

Como tinha chegado nesse dia, os meus conhecimentos limitavam-se ainda aos donos da Pousada (2 Franceses hilariantes) e a uma moça que conheci no barco que nos levou até ‘a ilha. Por uma razão ou outra, não me poderiam fazer companhia nessa noite, pelo que fui passear sozinha.

Uma coisa que aprendi no Brasil, é que nunca se está só. A simpatia e calor daquela gente, em todos os locais que visitei, fez-me sempre sentir acompanhada e benvinda a qualquer sítio. E aqui não foi excepção.

Num cantinho da praça, junto a um pequeno carrinho de venda de pipocas, o dono, conformado com o calor e o pouco sucesso que as pipocas estavam a ter, não se fez rogado e, basicamente, esqueceu o propóstio por que ali estava. Em vez de promover o negócio, sentou-se prazenteiramente num banco e começou a tocar viola. Cantava e sorria com prazer. Era bonacheirão e bem disposto, com um chapéu de palha que lhe descaía levemente para o lado direito da cabeça. ‘A sua volta, num pequeno banco ao lado, outras pessoas se juntaram e sentaram. Uma criança brincava com um saco de pipocas pendurado enquanto a mãe escutava a música. Dirigi-me para lá e sentei-me na ponta do banco. Tocavam na altura “Desafinado” de Jobim. Para além do dono das pipocas, uma outra moça, sorridente e rechonchuda, entoava a tão conhecida melodia. Não resisti e quis também participar. Arrisquei então fazer a 2ª voz. Comecei baixo, mas logo a inibição passou dado o sorriso e piscar de olho com que o guitarrista me saudou. Dali seguiram-se muitas outras melodias. Cantámos, cantámos, rimos… a noite passou-se, as pipocas ficaram esquecidas e todos saímos dali com um sorriso.
Nada mais poderia ter sido tão ideal. A noite foi perfeita e, no dia seguinte o dono das pipocas saudou-me com aquele sotaque delicioso:
- Oh Portuguesa! - sorria.
Mais ‘a frente, já várias pessoas me conheciam e eu a elas:
- Oh, Portuguesa!
Foi assim que fiquei baptizada e passei, por uns dias, a fazer parte daquele cenário. Tudo, por causa da música!

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